_A edição de maio│2022 de nossa Newsletter traz como destaque:
– Controvérsia sobre a eleição em separado em companhias com capital disperso
– Responsabilidade do ex-sócio por dívidas da sociedade limitada
– CVM multa administradores de companhia aberta por irregularidades em Assembleia Geral de Acionistas
A temporada de assembleias gerais ordinárias está se aproximando e muitas companhias, além de aprovarem as contas da administração e as demonstrações financeiras, deverão deliberar sobre a eleição ou reeleição de administradores para cumprir um novo mandato. Tendo em vista as diversas modalidades de eleição de conselheiros de administração que podem ser adotadas, um assunto que costuma gerar interpretações distintas é a aplicabilidade da eleição em separado em companhias de capital disperso.
A eleição em separado de um membro do conselho de administração, prevista no parágrafo 4º do artigo 141 da Lei das S.As., é um mecanismo de proteção aos acionistas minoritários e visa lhes assegurar representatividade no conselho de administração. Essa estrutura é aplicável somente às companhias abertas e exclusivamente aos acionistas minoritários que comprovem a titularidade ininterrupta de sua participação acionária na empresa durante os três meses imediatamente anteriores à realização da assembleia geral em questão. Para que a eleição em separado seja adotada, a participação acionária ininterrupta deve ser de 15% do capital votante ou 10% do capital social total, sendo que a Comissão de Valores Mobiliários (“CVM”) entende que, para as companhias que somente emitam ações com direito de voto (ordinárias), aplica-se o percentual de 10%.
Correntes distintas
A polêmica sobre a aplicabilidade da eleição em separado vem à tona no momento em que os acionistas de companhias de capital disperso, isto é, sem acionista controlador ou bloco de controle definido, consideram eleger um membro do conselho de administração exercendo esse direito garantido pela Lei das S.As. A CVM ainda não se manifestou expressamente sobre o tema e, a partir daí, é possível identificar duas correntes interpretativas.
Apesar de esse tema ser pouco tratado de forma específica e pública pelos juristas, que acabam discutindo a questão em pareceres e consultas individuais com clientes, muitos entendem que a adoção do mecanismo da eleição em separado pressupõe a existência de um acionista controlador ou bloco de controle definido na companhia. Para muitos deles, como mecanismo de proteção dos minoritários em face de abusos por parte dos controladores, seria um contrassenso que a eleição em separado pudesse ser adotada em empresa sem controlador definido, já que não haveria acionista a ser impedido de participar de tal eleição em separado. Ou seja, nesse caso, não havendo controlador, todos os acionistas poderiam se qualificar como “minoritários” na eleição em separado.
No entanto, alguns juristas defendem que a adoção ou não do mecanismo de eleição em separado em companhias que não tenham um acionista controlador ou bloco de controle definido deveria ser analisada caso a caso, levando em consideração a estrutura de capital da empresa e o comportamento dos acionistas com maior ascendência na administração ao longo do tempo. Os defensores dessa posição argumentam que a adoção da eleição em separado faria sentido caso o minoritário relevante tivesse participação superior aos quóruns legais (de 10% e 15%) e o poder de eleger sozinho a maioria dos membros do conselho de administração em determinada assembleia (ou todos, no caso da eleição por chapa).
Apesar da discussão, na prática existem companhias com capital disperso que sequer disponibilizam as perguntas relativas à eleição em separado no boletim de voto à distância, como é o caso da B3. E de acordo com informações públicas, nenhuma delas foi questionada até o momento sobre essa prática.
A CVM já se manifestou de forma indireta sobre o tema no relatório de análise da audiência pública sobre a alteração da Instrução CVM 481, divulgado em 20 de dezembro de 2017. Na época, o regulador reconheceu que os itens do boletim de voto a distância relativos à eleição em separado podem não se aplicar a todas as companhias, mas não concordou expressamente que tal mecanismo não poderia ser adotado por empresas com capital difuso de forma geral.
Até que a CVM seja provocada a tratar especificamente o tema de forma mais clara, a discussão deve continuar.
O texto acima foi publicado na sessão Legislação & Mercado da Capital Aberto em 15 de março de 2022, e pode ser acessado por meio do link abaixo:
https://legislacaoemercados.capitalaberto.com.br/controversia-sobre-a-eleicao-em-separado-em-companhias-com-capital-disperso/
_Responsabilidade do ex-sócio por dívidas da sociedade limitada
Muito se discute sobre a responsabilidade de um sócio após a alienação de sua participação em uma sociedade limitada ou o distrato da sociedade.
O Código Civil prevê que o sócio cedente responde solidariamente com o cessionário, perante a sociedade e terceiros, pelas obrigações que tinha como sócio, até dois anos depois de averbada a modificação do contrato social relativa à sua saída.
Importante ressaltar que essa disposição legal não configura a responsabilidade ilimitada, irrestrita e solidária do sócio cedente por quaisquer dívidas da sociedade. Trata-se da responsabilidade do cedente pelas obrigações que tinha como sócio, e as obrigações do sócio não se confundem com as obrigações da própria sociedade.
Em regra, a responsabilidade de cada sócio está limitada ao valor de suas quotas e todos respondem solidariamente pela integralização do capital social. Ou seja, como regra geral os sócios e ex-sócios não respondem pelas dívidas da sociedade limitada.
Conforme previsto no próprio Código Civil, “a autonomia patrimonial das pessoas jurídicas é um instrumento lícito de alocação e segregação de riscos, estabelecido pela lei com a finalidade de estimular empreendimentos, para a geração de empregos, tributo, renda e inovação em benefício de todos”.
No entanto, em determinadas hipóteses específicas, os credores da sociedade limitada podem recorrer ao patrimônio dos sócios (e ex-sócios) para quitação de dívidas, dentre as quais destacamos a desconsideração da personalidade jurídica.
Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu no sentido de que, no caso da responsabilidade de ex-sócio decorrente da desconsideração da personalidade jurídica, este não responde por dívidas da sociedade contraídas após sua retirada formal, mesmo que os débitos se refiram ao período de dois anos após sua saída. Neste caso, entendeu-se que o período de dois anos previsto no Código Civil é o prazo para cobrança do sócio por obrigações assumidas antes de sua saída.
Essa decisão do STJ, ainda que não vinculante, é de extrema relevância, porque em várias decisões de diversas instâncias, inclusive no próprio STJ, muitas vezes não se restringiu a responsabilidade dos sócios retirantes ao período de sua participação societária.
Em outro julgamento do STJ, no qual debateu-se a possibilidade de se responsabilizar os sócios e seu patrimônio pessoal por débito remanescente de titularidade de sociedade regularmente extinta pelo distrato, o colegiado entendeu que em sociedades de responsabilidade limitada, após integralizado o capital social, os sócios não respondem com seu patrimônio pessoal pelas dívidas titularizadas pela sociedade, de modo que o deferimento da sucessão depende intrinsecamente da demonstração de existência de patrimônio líquido positivo e de sua efetiva distribuição entre seus sócios.
Desse modo, não há um aumento das responsabilidades do ex-sócio no momento em que ele se retira da sociedade limitada, havendo apenas uma limitação temporal da cobrança por obrigações aplicáveis relativas à época de sua participação na sociedade.
O texto acima foi publicado na sessão Legislação & Mercado da Capital Aberto em 20 de abril de 2022, e pode ser acessado por meio do link abaixo:
https://legislacaoemercados.capitalaberto.com.br/responsabilidade-do-ex-socio-por-dividas-da-sociedade-limitada/
_CVM multa administradores de companhia aberta por irregularidades em Assembleia Geral de Acionistas
Em 26 de abril de 2022, a Comissão de Valores Mobiliários (“CVM”) julgou o Processo Administrativo Sancionador (“PAS”) CVM SEI nº 19957.003922/2020-50, instaurado pela Superintendência de Relações com Empresas (“SEP”) para apurar suposto abuso de administradores durante uma assembleia geral de acionistas.
Na ocasião, os acionistas controladores, que também ocupavam os cargos de diretor presidente e vice-presidente da companhia, votaram e aprovaram suas próprias contas como administradores, de forma indireta por meio de sociedades controladas por eles, além de uma remuneração abusiva para si mesmos, em descumprimento à Lei nº 6.404/1976 (“Lei das S.A.”).
Os acusados argumentaram que as vedações legais para a aprovação das contas afetariam apenas a pessoa do administrador e não a eventual sociedade da qual fossem sócios, e questionaram a conclusão da área técnica com relação à alegação de remuneração abusiva, declarando que os valores aprovados estariam em consonância com as práticas de mercado e com a competência e experiência dos administradores.
Em seu voto, a Diretora Relatora Flávia Sant’Anna Perlingeiro, em linha com precedentes da CVM, reforçou que a vedação imposta aos administradores para aprovação das próprias contas, prevista nos artigos 115, §1º e 134, §1º da Lei das S.A., “deve atingir as pessoas jurídicas por eles controladas nos casos em que não for possível dissociar a vontade de determinado acionista, pessoa jurídica, da influência do acionista-administrador, impedido de deliberar sobre as próprias contas“, como se confirmou no presente caso.
Com relação à aprovação de remuneração abusiva em benefício próprio, a Diretoria Relatora declarou que em casos em que se discute a remuneração de administradores, o julgador deve interpretar o artigo 152 da Lei das S.A., o qual dispõe que a remuneração dos administradores deve ser fixada levando-se em consideração as suas responsabilidades, o tempo dedicado às suas funções, competência e reputação profissional e o valor dos serviços no mercado, como um balizador. Sendo que será a partir destes critérios que os valores da remuneração global ou individual serão formulados e justificados, concluindo que, “a atuação do acionista controlador que aprova remuneração em desacordo com tais balizas pode configurar abuso do poder de controle à luz do art. 116, §1º [da Lei das S.A.]”.
No caso em análise, verificou-se que os acusados teriam recebido remuneração elevada quando comparada ao faturamento da companhia, sendo que durante dois exercícios sociais a remuneração teria superado o faturamento da companhia, o que, segundo a Relatora, face à ausência de justificativa consistente no atendimento do interesse social, revela manifesta desproporcionalidade, ainda mais tratando-se de companhia enfrentando dificuldades financeiras, em cenário de patrimônio líquido negativo e impossibilidade de distribuição de dividendos.
Não obstante, a Relatora reconheceu que nem sempre o faturamento da companhia será um critério adequado para determinação da existência de abuso na fixação da remuneração dos administradores, sendo que “as circunstâncias de cada caso, por certo, são relevantes para elucidar os fundamentos da remuneração e se são aderentes ao interesse social”.
Deste modo, o Colegiado da CVM decidiu, por unanimidade, condenar cada um dos administradores da companhia ao pagamento de R$ 210.000,00 (duzentos e dez mil reais), quanto à aprovação das próprias contas e R$ 425.000,00 (quatrocentos e vinte e cinco mil reais) quanto a aprovação de remuneração abusiva.
Maiores informações sobre o PAS CVM SEI 19957.003922/2020-50, podem ser acessadas pelo link abaixo:
https://www.gov.br/cvm/pt-br/assuntos/noticias/cvm-aplica-multa-de-r-1-27-milhao-a-acusados-por-irregularidades-em-assembleia-geral-da-correa-ribeiro-s-a-comercio-e-industria