_A edição de abril │2020 de nossa Newsletter traz como destaques:
– Publicação da Instrução Normativa DREI nº 76, de 9 de março de 2020 sobre procedimentos a serem adotados pelas Juntas Comerciais para prevenção à lavagem de dinheiro e financiamento do terrorismo
– Publicação da Medida Provisória nº 931/20 e da Deliberação CVM 849/20
– As cláusulas MAC (efeito material adverso) nos contratos de M&A e a crise do coronavírus
– Possibilidades jurídicas de diferimento e retenção de dividendos
– Descumprimento contratual e força maior em épocas de pandemia
_ Publicação da Instrução Normativa DREI nº 76, de 9 de março de 2020 sobre procedimentos a serem adotados pelas Juntas Comerciais para prevenção à lavagem de dinheiro e financiamento do terrorismo
Em 9 de março de 2020, foi publicada a Instrução Normativa DREI nº 76 (“IN DREI 76”), que dispõe sobre a política, procedimentos e controles a serem adotados no âmbito das Juntas Comerciais para o cumprimento das disposições da Lei nº9.613/98, relativas à prevenção de atividades de lavagem de dinheiro e financiamento do terrorismo e da Lei nº13.810/19, relativas ao cumprimento de determinações do Conselho de Segurança das Nações Unidas acerca da indisponibilidade de ativos.
A IN DREI 76, que entra em vigor em 1º de julho de 2020, prevê que cada Junta Comercial deve estabelecer e implementar seus próprios procedimentos e controles de prevenção à lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo. Nos incisos do artigo 2º, constam os seguintes procedimentos mínimos que devem ser adotados por cada Junta Comercial:
“(i) identificar os clientes e demais envolvidos nos arquivamentos que realizarem, incluindo o beneficiário final;
(ii) identificar as situações passíveis de comunicação ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF), nos termos do art. 11 da Lei nº9.613, de 1998;
(iii) identificar as pessoas expostas politicamente (PEP), nos termos definidos em norma do COAF;
(iv) identificar a existência de determinações do Conselho de Segurança das Nações Unidas acerca da indisponibilidade de ativos de titularidade de pessoas físicas e/ou jurídicas submetidas às sanções de que trata a Lei nº13.810, de 2019 e
(v) verificar periodicamente a eficácia dos procedimentos e controles internos adotados (pelas Juntas Comerciais).”
O artigo 3º da IN DREI 76 lista algumas situações que devem ser especialmente monitoradas, selecionadas e analisadas pelas Juntas Comerciais e, se consideradas como suspeitas, devem ser comunicadas por elas ao COAF.
Dentre as situações elencadas para atenção especial pelas Juntas Comerciais, destacam-se (i) a constituição de mais de uma pessoa jurídica, em menos de 6 (seis) meses, pela mesma pessoa física ou jurídica ou que seja administrada pelo mesmo administrador ou possua sócio representado pelo mesmo procurador; (ii) registro de pessoa jurídica integrada por um ou mais sócios, procuradores ou administradores domiciliados em localidades caracterizadas como paraísos fiscais; (iii) registro de sociedade onde participe menor de idade, incapaz ou pessoa com mais de 80 anos; (iv) registro de pessoa jurídica com capital social flagrantemente incongruente ou incompatível com o objeto social; (v) registro de pessoas jurídicas diferentes constituídas no mesmo endereço, sem a existência de fato econômico que justifique; (vi) mudanças frequentes no quadro societário ou no objeto social, sem justificativa aparente.
As Juntas Comerciais ainda não se manifestaram sobre os procedimentos que serão adotados internamente para cumprimento do disposto na IN DREI 76.
A IN DREI 76 pode ser acessada no link abaixo:
http://www.mdic.gov.br/images/REPOSITORIO/SEMPE/DREI/INs_EM_VIGOR/IN_DREI_76_2020.pdf
_ Publicação da Medida Provisória nº 931/20 e da Deliberação CVM 849/20
Considerando a pandemia declarada de COVID-19 e o seu impacto na atividade econômica, mais especificamente no cumprimento de obrigações por sociedades limitadas e sociedades por ações, o governo federal promulgou a Medida Provisória nº 931/2020 (“MP 931”) e, na sequência, a Comissão de Valores Mobiliários (“CVM”) publicou a Deliberação CVM nº 849/2020 (“Deliberação 849”), que prorroga diversos prazos de obrigações periódicas relativos a companhias abertas. Destacamos abaixo as principais novidades:
- Assembleia Geral Ordinária ou Reunião Anual de Sócios : a realização fica prorrogada por um prazo adicional de 3 meses, i.e. devem ser realizadas em até 7 meses contados do término do exercício social.
- Mandatos dos Membros da Administração: prorrogados até a realização da Assembleia Geral Ordinária, Reunião Anual de Sócios ou até que ocorra reunião do Conselho de Administração após referida assembleia ordinária, conforme o caso.
- Assembleia Geral Digital: a CVM poderá autorizar a realização de assembleia digital por companhias abertas. A este respeito, a CVM já divulgou edital de audiência pública sobre a regulamentação própria neste sentido para manifestação pública (“Consulta Pública CVM”). O DREI, que regula sociedades limitadas e sociedades por ações fechadas, acaba de editar a Instrução Normativa 79 para regulamentar a participação em reuniões e assembleias digitais e o voto a distância em sociedades anônimas fechadas, limitadas e cooperativas (“IN DREI 79”).
- Dividendos: O Conselho de Administração da Companhia ou, na sua ausência, a Diretoria, poderá declarar dividendos, até a realização da AGO, independentemente de previsão estatutária.
- Arquivamentos de atos societários em Juntas Comerciais: a contagem de prazo para protocolo dos atos societários assinados a partir de 16 de fevereiro de 2020 se dará a partir da data em que a respectiva junta comercial restabelecer a prestação regular dos seus serviços.
Especificamente para as companhias abertas, foi prorrogado por um período adicional de (i) 2 meses a divulgação das Demonstrações Financeiras, a atualização anual do Formulário de Referência, a atualização anual do Formulário Cadastral e o Informe de Governança Corporativa e (ii) 45 dias a divulgação do formulário de informações trimestrais – ITR relativo ao 1º trimestre de 2020, observado o disposto na Instrução CVM nº 480/09.
A MP 931, a Deliberação 849, a Consulta Pública CVM e a IN DREI 79 podem ser acessadas pelos links abaixo, respectivamente:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2020/Mpv/mpv931.htm
http://www.cvm.gov.br/legislacao/deliberacoes/deli0800/deli849.html
http://www.cvm.gov.br/audiencias_publicas/ap_sdm/2020/sdm0320.html
http://www.in.gov.br/web/dou/-/instrucao-normativa-drei-n-79-de-14-de-abril-de-2020-252498337
_ As cláusulas MAC (efeito material adverso) nos contratos de M&A e a crise do coronavírus
As cláusulas sobre efeito material adverso, conhecidas como clausulas MAC (material adverse change), são usualmente utilizadas nos contratos de fusão e aquisição como uma ferramenta de prevenção para que as operações alcancem os resultados desejados pelas partesA cláusula MAC deve especificar quaisquer eventos que possam provocar efeito material adverso nas atividades ou situação financeira ou operacional da empresa alvo da operação entre a assinatura do contrato e o seu fechamento que, se ocorrerem, possam gerar perdas relevantes ao potencial investidor, bem como as métricas negociadas entre as partes para lidar com tal risco, o que pode envolver, inclusive, o não fechamento da operação.
Em razão da COVID-19, muitos dos investidores que estavam em meio às negociações, sobretudo na fase de cumprimento de condições precedentes, entre a assinatura do contrato e o fechamento da operação, têm questionado a possibilidade da cláusula MAC prevista no contrato englobar, ou não, a situação provocada pela pandemia, o que, dependendo dos termos negociados, poderia ensejar a desistência, pela parte prejudicada, de seguir com a operação.
Nos casos em que a cláusula MAC não esteja prevista no contrato de compra e venda, é possível considerar a aplicabilidade do disposto no artigo 478 do Código Civil, que prevê a possibilidade de uma das partes resolver o contrato, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis.
Em tempos de incertezas, como o que estamos vivendo agora, é importante observar, ainda, o capítulo sobre as disposições gerais dos contratos no Código Civil brasileiro, que prevê que nos contratos devem prevalecer os seguintes princípios: da intervenção mínima e da excepcionalidade da revisão contratual, bem como o princípio da autonomia dos contratantes.
A este respeito, o Congresso Nacional tem discutido nas últimas semanas um Projeto de Lei que trata das consequências da pandemia de COVID-19 sobre as obrigações contratuais assumidas antes da declaração da pandemia, entre outros aspectos (Projeto de Lei 1.179/2020). O projeto propõe a fixação de limites para a utilização da pandemia como justificativa para a revisão ou a rescisão de contratos.
_ Possibilidades jurídicas de diferimento e retenção de dividendos
Em razão da COVID-19, muitas companhias têm dúvidas sobre como proceder em relação à distribuição e pagamento de dividendos dadas as incertezas atuais. Em uma situação de quarentena global e previsões de recessão em níveis preocupantes, controladores e membros da administração se questionam sobre como proceder para evitar o descumprimento legal quanto à distribuição de dividendos e, ao mesmo tempo, manter a saúde financeira da companhia. Nestes casos, há três possibilidades legais a serem consideradas: a retenção de dividendos obrigatórios, a postergação do pagamento de dividendos e a retenção de lucros.
A possibilidade de retenção de dividendos obrigatórios está prevista no art. 202, §4º da Lei das S.A, sendo uma excepcionalidade para casos em que os órgãos da administração informarem à assembleia geral ordinária ser tal distribuição incompatível com a situação financeira da companhia. O conselho fiscal, se em funcionamento, deverá dar parecer sobre essa informação e, na companhia aberta, seus administradores encaminharão à CVM, dentro de 5 dias da realização da assembleia geral, exposição justificada da informação transmitida aos acionistas. Neste caso, os lucros que não forem distribuídos deverão ser registrados em uma reserva especial de lucros e, se não absorvidos por prejuízos em exercícios subsequentes, deverão ser pagos como dividendo assim que a situação financeira da companhia o permitir.
Tendo em vista a dificuldade em demonstrar tal incompatibilidade devido a uma crise econômica futura de difícil mensuração, há companhias avaliando a possibilidade de postergar o pagamento dos dividendos. A Lei das S.A. prevê que o prazo legal para pagamento de dividendos é de 60 dias contados da data em que ele for declarado, salvo deliberação em contrário da assembleia geral, sendo que, em qualquer caso, deverá ser pago dentro do exercício social em que foi declarado. Assim, seria possível propor à assembleia a aprovação dos dividendos com a postergação de seu pagamento para o final do exercício de 2020, a fim de analisar os efeitos concretos da COVID-19 na companhia.
Vale ressaltar que a decisão de postergar o pagamento dos dividendos é mais complexa caso eles já tenham sido declarados, visto que, em teoria, tais dividendos seriam dívida líquida, certa e exigível da companhia perante seus acionistas. Entretanto, há jurisprudência da CVM e do Tribunal de Justiça de São Paulo – TJSP sobre a possibilidade de diferimento do pagamento de dividendos já declarados por fato superveniente, i.e., na hipótese da situação econômica da companhia ter se alterado de forma que não seja possível pagar os dividendos já declarados sem comprometer o próprio funcionamento da companhia, ou mesmo em caso de reversão de expectativas futuras, para fins de preservação do interesse social (conforme Processo Administrativo Sancionador CVM nº RJ2008/8046, julgado em 30 de outubro de 2018 e Apelação Cível nº 1002982-64.2017.8.26.0554).
Por fim, há ainda a possibilidade de retenção de lucros, exceto o dividendo obrigatório, com base no art. 196 da Lei das S.A., que trata da retenção de lucros com base em um orçamento de capital aprovado pelos acionistas. O orçamento a ser submetido para aprovação da assembleia deverá ter a justificação da retenção de lucros proposta e indicará todas as fontes de recursos e aplicações de capital, fixo ou circulante, sendo necessária aprovação da assembleia geral.
Em todos os casos, reforça-se que a própria CVM está ciente dos impactos que a COVID-19 poderá ter nas companhias, tendo, conforme já mencionado acima, alterado prazos regulatórios e divulgado orientações sobre o tratamento e divulgação dos efeitos da pandemia nas demonstrações financeiras de companhias abertas. Neste sentido, a CVM recomendou, por meio de seu Ofício Circular SNC/SEP 02/2020, que às companhias avaliem, em cada caso, projeções e estimativas relacionados aos riscos da COVID-19 na elaboração do formulário de referência, bem como a necessidade de divulgação fato relevante ao mercado, para prover informações que espelhem a realidade econômica da companhia vis-à-vis os efeitos da pandemia.
Maiores informações sobre o Ofício Circular SNC/SEP 02/2020 e os precedentes aqui citados podem ser acessadas pelos links abaixo:
https://www.cdoadv.com.br/publicacoes/marco-2020/
http://www.cvm.gov.br/export/sites/cvm/sancionadores/sancionador/anexos/2018/RJ20088046_Construtora_Lix_da_Cunha.pdf
https://esaj.tjsp.jus.br/cjsg/getArquivo.do?conversationId=&cdAcordao=12830475&cdForo=0&uuidCaptcha=sajcaptcha_2ebf56c16e974275ad910932de97229d&g-recaptcha-response=03AHaCkAaBXceDsPLFq-pRgCR75rRXX9Z1A5_8n0McC1N39h8WaahaAd_lHP0yB32HCYs9hVp1dKrarUK1DELO3kb7EBAAt_LTU5Co-TLEDsnrPaZ2GyRE8gA64YIHCmjLYRyWiTuArR4AN2BGTzkfJ-myZONXWJ0NjaDeKbhbPB3lq6nkdThKry6MNtdRu7qCm3IMTm43dWYydQAm0XUzVL9ATNF5jfbLNDkBbT2lTAJe089iC132G-qfT93GxgDFXviBishajWQfPhjO9xpQoJnuGDN7U-zkuJGyBqKRLy5aLGYjP_8Xa7hhcmQBQ_sZHVR6_QLQdx71Z9Tovyt5Yragm8F-n_pzsSg_oQDXye4CCbAV02DxQXOjaKIRMjsGno1Dnq3Ybf0KC7mRAhLGrKbwRjO1Yep4sQ60KIwm1Xb5wL4FIBDZ-uVbQVUCI-pNngmFqo8JAc79rb8xm_Vssu_Y5q8YkBgh_Q
_ Descumprimento contratual e força maior em épocas de pandemia
Em um cenário da economia mundial incerta, com quarentenas globais, a possibilidade de descumprimento contratual preocupa tanto credores quanto devedores. Muito se discute sobre a possibilidade de não cumprir com obrigações contratuais por força da COVID-19 e, ainda, se haveria justificativa jurídica para tanto. Assim, muitos se questionam se o novo coronavírus poderia ser considerado um motivo de força maior para fins contratuais, e, em caso positivo, seus impactos nos contratos.
Primeiramente, vale lembrar que o conceito de força maior está previsto no art. 393 do Código Civil e é considerado uma excludente de responsabilidade do devedor, gerando a isenção de indenização por parte do devedor e o afastamento da incidência de multas pactuadas referentes ao inadimplemento contratual. São três seus aspectos fundamentais: (i) ser imprevisível, (ii) estar fora do controle das partes, e (iii) tornar impossível o cumprimento contratual no tempo, lugar e forma contratados.
Apurados os requisitos acima, será necessário verificar se não há previsão contratual modulando as hipóteses de força maior e suas consequências contratuais. Ademais, deve-se analisar se o risco do descumprimento não está ligado à natureza do contrato e se o que foi pactuado pode ser cumprido de outra forma, possibilitando o contorno ou mitigação dos riscos envolvidos. Um exemplo seria o caso de entidades de ensino que, na impossibilidade de realização de aulas presenciais, optam pela modalidade à distância para continuar a prestar o serviço educacional a seus estudantes.
Caso os efeitos mundiais da COVID-19 se transformem em dificuldade intransponível ao cumprimento contratual, ainda que de maneira mitigada, tal fato deve ser comprovado pelo devedor, sendo aconselhável o envio de notificação formal ao credor sobre a força maior. Destaca-se, ainda, que as partes devem agir de boa-fé ao negociar alternativas para fins do cumprimento do contrato ou prorrogações de prazo, inclusive para reembolso de valores já pagos, visto que a configuração de força maior não pode, de forma alguma, justificar o enriquecimento sem causa.
Por último, vale ressaltar que em contratos internacionais é fundamental analisar a legislação aplicável e o foro acordados, visto que a interpretação de força maior pode ser diferente daquela preconizada pela legislação brasileira.